segunda-feira, 8 de agosto de 2022

ENTREVISTA INTERESSANTE SOBRE O ATUAL MOMENTO POLÍTICO DO BRASIL


Rodolfo Capler – Nos últimos 5 anos, o Brasil teve uma média anual de 55 mil homicídios. De que modo as igrejas evangélicas podem contribuir para pacificar a nação?
Ed René Kivitz – Deveria ser óbvio que a igreja tivesse na sua boca palavras como reconciliação, perdão, compaixão, misericórdia e paz. Mas os pastores hoje estão defendendo o direito de matar, em legítima defesa. Eles estão acreditando que uma arma no coldre ou uma arma em casa é a garantia de uma família protegida. Isso no meu entendimento é um retrocesso civilizatório. Creio que a igreja deve educar para a paz. Ou seja, a igreja precisa educar para a vida e não para a morte. Eu disse outro dia num dos meus sermões dominicais que eu não imagino Jesus entrando numa festa de aniversário em Roma ou numa em Jerusalém, gritando: “Aqui é Jeová!”, e disparando tiros no ambiente. Não imagino uma coisa dessas. Penso que a igreja perdeu Jesus de vista… A igreja substituiu o Messias, que foi profetizado como “o Príncipe da paz”, pelo Messias promotor da morte, de modo que ela necessita voltar a Jesus, seu legítimo Senhor, o príncipe da paz. Somente assim a igreja se conformará à bem-aventurança de Jesus, de que “felizes são os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus”.
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Rodolfo Capler – O que o senhor acha do ensino religioso nas escolas públicas? Funciona?
Ed René Kivitz – É preciso fazer uma distinção entre ensino religioso e cultura humanista baseada em tradições espirituais. A espiritualidade é uma dimensão do ser humano, assim como a racionalidade e a corporeidade. Por exemplo, virtudes como justiça, solidariedade e generosidade, não são atributos do corpo ou da mente, mas do espírito. Você pode ter um sujeito fisicamente forte e inteligente, mas que é racista, xenófobo, supremacista branco e nazista. Os grandes facínoras da humanidade foram homens inteligentíssimos, que criaram estruturas de extrema sofisticação destrutiva. Dessa forma, a espiritualidade é uma dimensão humana a ser desenvolvida. Como bem disse o Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”. Por essa razão eu acredito que num Estado laico a escola não deve ensinar religião; o ensino da religião é uma prerrogativa da família. A escola por sua vez, tem a incumbência de ensinar as virtudes humanistas que são comuns a todas as tradições religiosas.
Rodolfo Capler – À luz da fé cristã a acumulação de bens materiais é pecado?
Ed René Kivitz – Dinheiro é um assunto absolutamente espiritual. Jesus disse que o dinheiro tem um potencial idolátrico. Na Bíblia Sagrada, dinheiro elevado à categoria de Deus é um ídolo chamado Mamom. Por causa disso, por exemplo, nos Evangelhos, Jesus falou mais sobre dinheiro do que sobre fé. Depois do Reino de Deus, o segundo assunto sobre o qual Jesus mais abordou foi dinheiro. Inclusive uma das principais coisas que Jesus afirmou foi que é mais fácil um camela passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus. O apóstolo Paulo disse que “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” e que muita gente querendo enriquecer acabou destruindo a própria vida e a vida de muita gente. Entretanto, você não encontrará no texto bíblico uma afirmação que afirme, categoricamente, que o acumulo de dinheiro é pecado. Não há um versículo sequer que diga que a acumulação de bens é pecado. Todavia, a lógica bíblica e do evangelho de Jesus aponta nessa direção. Num mundo onde existe fome, o acúmulo material é obsceno, imoral e maligno. O Reino de Deus é um reino de justiça e paz, onde há abundância de tudo para todos. Já o reino de Mamom é um reino de injustiça, desigualdade, acúmulo, escassez, fome e morte.
Rodolfo Capler – é possível ser cristão e ser de esquerda?
Ed René Kivitz – Nos últimos tempos, no Brasil, “esquerda” virou um palavrão – quase um xingamento. Nas minhas redes sociais, as pessoas me chamam de comunista, socialista e esquerdista, como se estivessem me ofendendo. O termo “esquerda” tornou-se uma injúria porque é associado aos regimes comunistas que perseguem cristãos, à luta pelos direitos reprodutivos da mulher (especialmente à questão do aborto), e às pautas identitárias, sobretudo àquelas relacionadas a comunidade LGBTS. Desse modo, quando alguém declara: “Eu sou de esquerda”, logo é acusado como alguém a favor do aborto e classificado como perseguidor de cristãos e como ativista das causas homoafetivas. Isso na verdade, não passa de uma caracturização pejorativa da ideia da esquerda. Eu já declarei várias vezes que eu sou contra o aborto e acredito que, inclusive, a maioria das mulheres que praticam o aborto é contra o aborto. Entretanto, o aborto é uma questão de saúde pública… Toda a questão moral envolvendo a comunidade LGBTs está envolta numa tradição religiosa cristã de dois mil anos que condena pessoas homoafetivas ao inferno. Por isso, nós precisamos de um entendimento atualizado do evangelho e de um acolhimento amoroso dessas pessoas. Dito isto, penso que caricaturar a “esquerda” com essas questões é muito limitante. Agora, quando você trata a esquerda da perspectiva duma corrente ideológica que abarca o apoio dos direitos humanos, a busca duma sociedade mais igualitária, a promoção da justiça social – promovida não apenas pelas lógicas meritocráticas do Mercado, mas também pela atuação dos governos -, e o auxílio aos pobres, eu diria (nesse sentido) que não só é possível um cristão ser de esquerda, como é uma obrigação um cristão ser de esquerda. Quando alguém me pergunta: “Você é de esquerda?”, eu respondo o seguinte: “Se você está me perguntando se eu sou a favor do aborto e dos regimes comunistas e socialistas totalitários, eu digo que não. Agora, se você está me perguntando se eu sou a favor das pautas identitárias, dos direitos das mulheres e dos LGBTs, das questões raciais, do ideário dos direitos humanos e de um Estado que priorize os pobres e o enfrentamento da pobreza, então eu declaro que sou de esquerda”.
Rodolfo Capler – O que o senhor tem a dizer a respeito do apoio irrestrito de boa parte das lideranças evangélicas ao bolsonarismo?
Ed René Kivitz – “Existe por trás deste governo uma mente intelectualmente limítrofe, cientificamente ignorante, ideologicamente totalitária, religiosamente obscurantista e moralmente perversa. É urgente que seja exorcizada!”. Eu disse isso em março de 2020, no início da pandemia. De lá para cá, eu acrescentaria adjetivos a isso que existe por trás deste governo – adjetivos sombrios e nefastos. O que este governo fez e está fazendo com o meio ambiente, com a floresta, com a cultura, com a educação e com o imaginário civilizatório do país e com as conquistas das sociedades das democracias liberais, é assombroso. De tal modo, eu penso que a adesão das lideranças religiosas evangélicas a esse governo, implica uma incompatibilidade de gênios ou deveria implicar. Lamento que não. Agora, eu fui educado numa tradição religiosa protestante evangélica batista, que me ensinou a separação entre a Igreja e o Estado. Eu fui ensinado a pensar como Martin Luther King Jr., que afirmou: “A igreja é a consciência crítica do Estado”. Uma igreja que aderiu ao bolsonarismo e ao governo de Jair Bolsonaro como a chamada igreja evangélica brasileira aderiu, na minha opinião, não apenas agride o espírito do evangelho, mas afronta a minha tradição batista. Jesus não mandou que os seus discípulos assumissem o senado romano ou elegessem um dos seus discípulos como imperador, muito menos, que convertessem o imperador. Aliás, se tem uma coisa mal entendida no cristianismo é justamente a conversão de Constantino à fé cristã. Eu tenho absoluto estranhamento com o bolsonarismo e as lideranças evangélicas que abraçaram o bolsonarismo.
Rodolfo Capler – Tudo bem misturar política e religião?
Ed René Kivitz – Desmond Tutu, que foi arcebispo da Cidade do Cabo e prêmio Nobel da Paz, afirmou: “Não existe nada mais político do que dizer que política e religião não se misturam”. Não é possível separar religião e política. Todo ato humano é um ato coletivo e todo ato coletivo é um ato político. Então, religião, por si, é uma experiência política. Por exemplo, a presença de uma comunidade religiosa dentro duma cidade é um ato político, porque a comunidade cristã implica uma lógica de existência que confronta as lógicas da cidade. A questão sobre a qual devemos refletir é: quais são os valores religiosos que orientam a ação política? São os valores da exclusão ou são os valores da comunhão? São os valores que favorecem a vida humana e especialmente a vida dos seres humanos em condição de vulnerabilidade? Toda vez que eu fizer uma escolha eu tenho que escolher a favor da vida e não a favor de algumas vidas. Prioritariamente, devo escolher a vida do órfão, do idoso e das pessoas que estão em condição de vulnerabilidade e de ameaça, a saber, o pobre, o preto, o gay e aquele que tem uma confissão de fé minoritária. Tudo isso é ato político…
Rodolfo Capler – Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para o eleitor evangélico?
Ed René Kivitz – Que o eleitor evangélico olhe para Jesus. Porque nem tudo o que está na Bíblia está em Jesus. Nem tudo o que está na tradição da cristandade está em Jesus. Nem tudo o que está na tradição evangélica no Brasil está em Jesus. Nem tudo o que está na boca dos pastores, apóstolos e bispos evangélicos brasileiros, está em Jesus. Que o eleitor e a eleitora evangélicos olhem para Jesus, pois tudo o que é divino está em Jesus. Portanto, que o eleitor evangélico escolha fazer o caminho de Jesus, do jeito de Jesus, com Jesus

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