segunda-feira, 8 de agosto de 2022

O EVANGELHO E A POLÍTICA DAS ARMAS. COMO RESOLVER ESTE ASSUNTO ?


Rodolfo Capler – Há algumas semanas o vídeo de um pastor orando por revólveres dispostos sobre uma mesa, viralizou na internet. Eventos como este se tornaram corriqueiros no país. Por que os evangélicos estão abraçando uma cultura bélica?
Ed René Kivitz – Porque além da índole maniqueísta que os domina, eles são influenciados por uma cultura que tem a agravante de ser fortemente influenciada por uma tradição judaizante. Ou seja, eles se escoram numa tradição cristã que ainda é orientada por uma leitura equivocada do Velho Testamento, uma espiritualidade baseada numa justiça retributiva. Esse espírito veterotestamentário, não permite a existência da misericórdia, da compaixão, do perdão e o do “virar a outra face”. Infelizmente, as igrejas evangélicas fazem a leitura da realidade por meio desta lente interpretativa. Eu não quero dizer com isso que o judaísmo é violento, pois seria um contrassenso, porquanto foram historicamente perseguidos. Inclusive o rabino Jonathan Sacks escreveu um livro extraordinário, cujo título é “Não em meu nome”, no qual afirma: “Não se pratica violência em nome de Deus”. Voltando ao raciocínio inicial, essa igreja evangélica que lê o Velho Testamento com o viés da justiça retributiva – que inclui a famosa lei de talião, do “olho por olho e dente por dente” e que apregoa benção para quem é obediente e maldição para os desobedientes – só dá duas opções aos chamados “infiéis”: ou se convertem ou são eliminados. Portanto, essa ideia de evangelho sustenta que os “infiéis” são a causa da maldição nacional. Por conseguinte, conforme o entendimento daqueles que abraçam este tipo de evangelho, o Brasil estaria na situação econômica deplorável na qual está, por causa dos “infiéis”. Exemplo disso é o atual presidente da República que afirma que as minorias sociais do Brasil devem se adaptar ao establishment ou então procurarem outro lugar para habitarem, pois, serão banidas do país. Este é um discurso religioso, maniqueísta, excludente e violento, que sustenta a ideia da luz contra as trevas e do bem contra o mal. Por essa razão, é muito próprio deste imaginário religioso evangélico, a permissão de que pessoas tenham um calibre 38 nas mãos e que unjam uma réplica duma arma de fogo na Marcha para Jesus. Há incongruência maior do que esta?
Rodolfo Capler – Armar a população resolverá o problema da segurança pública no Brasil?
Ed René Kivitz – Eu acabei de gravar mais um episódio do meu Podcast “Qohélet”, cujo título é “Pistola”. Para construir este episódio eu pesquisei muito e encontrei informações, entre as quais, a de que houve uma queda na taxa de homicídios no Brasil de 2018 para 2020, com algo em torno de 7%. Os institutos de pesquisa e os analistas sociais que se dedicam ao tema da violência urbana, dizem que a queda na taxa de homicídios não tem nada a ver com o armamento da população. Outros fatores explicam o fenômeno, como a sofisticação do crime organizado (que aprendeu que matar não é um bom negócio), a divisão territorial, a inteligência das forças policiais e as políticas públicas de segurança (excetuando-se a atual política de segurança do estado do Rio de Janeiro, que é nefasta). Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (que registram que há mais amamento na posse da sociedade civil do que das forças do Estado), as armas nas mãos dos cidadãos tem um efeito contrário, ou seja, aumenta a insegurança da população. Isso em razão das armas contribuírem para o agravamento dos conflitos do cotidiano, como por exemplo, para o acirramento duma briga de bar ou de trânsito. Vide o caso do último dia 30 de Julho, em Teresina, no qual um cunhado mata o outro cunhado e logo a seguir morre atingido por arma de fogo. Detalhe: todos eram frequentadores de uma Igreja Presbiteriana. Assim, eu afirmo enfaticamente, que os pastores promotores do armamento da população tem sangue nas mãos, porquanto a população civil não é treinada psíquica e emocionalmente para ter armamentos em casa. Os cidadãos, sequer, têm estrutura e aparato técnico-social para portar um revolver na cintura. Interessante é que com a política de segurança de Bolsonaro, com o estabelecimento do CAC (autorização para aquisição de armas para colecionador, atirador desportivo e caçador), há um clube de tiros sendo aberto por dia no Brasil, o que permite que bandidos comprem armas legalmente com registro e com preço mais barato. Diante disso, a questão que se coloca é a seguinte: quem lucra e quantos milhões ou bilhões lucra com esta política armamentista do governo Bolsonaro? Porém, “deve existir um sigilo de cem anos” para esta informação. Mas, eu gostaria de saber quem ganha com tanto incentivo para o armamento da população. Há de se dizer, também, que esse projeto de armar a sociedade revela uma pretensão golpista. A ideia seria colocar armas e munições nas mãos de um povo fanático que a qualquer momento pode querer resolver problemas político-sociais à bala. Isso é algo absolutamente inominável e intolerável, visto que as balas não colocarão ordem no Brasil, apenas colocarão sangue na desordem

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